Se você é fã ou admira David Bowie, este texto dispensa qualquer introdução. Isso porque para muitas pessoas, Bowie fez o melhor de toda a sua carreira enquanto morou na capital alemã. De qualquer forma, a cidade foi um dos lugares escolhidos pelo grande ídolo para morar e foi de onde saíram 3 obras de valor inquestionável: Low, Heroes e Lodger.
A sétima faixa de Low, álbum lançado por Bowie em 1977, “A New Career in a New Town”, conta mais história do que parece. A faixa é toda instrumental e marca a transição entre a primeira e segunda partes do álbum. De fato, a segunda parte é bem mais instrumental que a primeira e conta com parcerias entre Bowie e Brian Eno.
Mas o título é um reflexo das mudanças significativas na vida de David Bowie no final dos anos 70. Após o lançamento do Station to Station, em 1976, Bowie e seu amigo Iggy Pop se mudaram para Berlim, como um meio de escapar da indulgência de Los Angeles durante esse período.
Naquela época, Bowie havia desenvolvido vício por cocaína e precisava de um novo começo. “Por muitos anos, Berlim me apelou como uma espécie de situação de santuário”, disse ele em entrevista à Uncut. “Era uma das poucas cidades onde eu podia me locomover no anonimato virtual”.
Este ano, são marcados 43 anos desde que Bowie encontrou o santuário e embarcou em um breve, mas altamente inspirado, período de crescimento criativo. Ele lançou três de seus melhores álbuns entre 1977 e 1979, além de ter trabalhado com Iggy Pop em seus dois maiores álbuns.
Para um artista como Bowie, que teve inúmeras épocas e períodos criativos diferentes durante sua carreira, a “trilogia de Berlim” permanece como uma era inegavelmente importante.
Este ano, desembarquei em Berlim em janeiro e, por coincidência, tomava uma cerveja próximo de onde ele morou, no Neues Bar, quando descobri que seria seu aniversário. Tomado pela emoção de estar ali naquele dia, decidi fazer um tour especial, buscando revisitar alguns dos lugares ligados ao meu maior ídolo musical.
Antes mesmo de sair de casa rumo ao aeroporto, garanta que poderá ouvir a trilogia de Berlin incansavelmente durante a viagem. Isso porque deixa a cidade ainda mais incrível e você pensa estar caminhando em direção ao encontro mais bonito de toda a sua vida.
Onde Bowie morou
Apesar do status de realeza musical, Bowie e Iggy Pop viveram vidas bastante comuns em Berlim. O apartamento deles estava localizado no distrito de Schöneberg, em Berlim Ocidental, onde os notórios bairros gays de Berlim estão situados. Se caminhar um pouco, vai ver como essa é uma região tranquila, mas com portas que levam a lugares inimagináveis.
Inclusive seu endereço, Hauptstrasse 155, foi selecionado com base na vibração “sombria, anônima e culturalmente perdida” da área. Como já mencionado, Bowie foi para Berlim para escapar um pouco da fama e se desfazer de sua imagem de rockstar. Mas Iggy era seu colega de apartamento e ficou conhecido por bagunçar a casa toda, além de invadir a geladeira.
Em 2016, quando Bowie morreu, milhares de fãs prestaram suas homenagens ali. No mesmo ano, foi colocada uma placa para homenagear Bowie pelo tempo vivido na cidade. Os berlinenses têm muito orgulho da escolha de David Bowie. Isso pode ser facilmente notado se você for beber uma cerveja no bar onde o rockstar mais ia, o Neues.
Onde Bowie gravou discos
Uma das razões pelas quais os anos de Berlim vivem em notoriedade é pela capacidade de Bowie de limpar sua imagem e se inspirar para a ‘Trilogia de Berlim’, que inclui Low, Heroes e Lodger.
Embora apenas Heroes tenha sido gravado na íntegra durante o período de Bowie na cidade, cada álbum é inegavelmente influenciado por suas experiências ali. Foi no Hansa Studio, onde Bowie trabalhou e gravou durante seu tempo em Berlim.
Além de criar seu próprio material solo, ele também colaborou com Brian Eno e ajudou Iggy na transição para sua carreira solo depois de deixar sua banda, The Stooges.
A localização do estúdio Hansa era algo ainda mais impressionante: próximo do Muro de Berlim. As pessoas relatam que o clima tenso de vigilância tomava conta das gravações. Tal clima, este, que gerou letras famosas como:
“I can remember, standing by the wall
The guns shot above our heads, and we kissed as though nothing could fall”, na música Heroes.
Neste ponto, Bowie se inspirou quando testemunhou o abraço particular de seu produtor Tony Visconti e da co-vocalista Antonia Maass, sob os olhos atentos dos guardas.
Onde Bowie saiu
Bowie realmente apreciava sua presença incógnita pela cidade. Ele e Iggy frequentaram uma infinidade de bares, museus e galerias de arte durante seu tempo em Berlim. Eles eram particularmente conhecidos pelas visitas ao Museu Brücke, onde alguns acreditam que Bowie ganhou inspiração visual através das incríveis obras de arte e exposições exibidas lá.
Enquanto ele abalou grande parte do seu estilo de vida de festa durante seus anos em Berlim, ele era conhecido por desfrutar de algumas boates e assombrações de Berlim Ocidental, incluindo o Anderes Ufer, um bar gay-friendly que foi renomeado como Neues Ufer. Ele também era conhecido por desfrutar de noites no clube SO36, em Kreuzberg. Ambos os pontos ainda funcionam hoje.
Embora agora tenha dado lugar ao Ellington Hotel, o Dschungel, na Nürnberger Strasse, em Charlottenburg, era outro ponto frequentado por Bowie; portanto, um passeio por esta rua provavelmente significa literalmente caminhar em seus passos.
Outra história famosa sobre o galante anônimo de Bowie pela cidade veio quando ele tocou Sinatra no palco em Dschungel e a multidão, indisciplinada, pediu que ele parasse, sem ter ideia de quem ele era.
Para comer, Bowie e Iggy eram vistos, de vez em quando, no elegante Bar de Paris, na Kantstrasse, que ainda funciona. Afinal, os dois artistas não estavam exatamente falidos.
Performance em frente ao Reichstag
Embora Bowie não soubesse que simplesmente passeava pelo Reichstag durante os anos em que viveu em Berlim, seu famoso e politicamente impactante desempenho se passou ali.
O palco estava situado bem na extremidade do lado ocidental do Muro, e milhares do leste se reuniram do outro lado para ouvir, algo que a República Democrática Alemã considerava um ato de insubordinação política, pois a música ocidental era proibida.
Isso emocionou Bowie, principalmente quando ele interpretou Heroes, uma música cuja letra narra o amor de um casal que transcende a barreira do muro. De certa forma, esse evento provocou tumultos no Oriente na noite seguinte e teve um papel importante na mudança da percepção do público sobre a divisão entre Berlim Oriental e Ocidental em escala internacional.
Enquanto as pessoas pensaram que os anos de Berlim haviam passado, Bowie lançou o single Where are we Now, que é uma faixa carregada de referências à cidade. Sem dúvidas, uma forma de refletir sobre como o tempo passou.
Ainda hoje, as pessoas sentem falta e vivem intensamente os anos da trilogia de Berlim. Isso pôde ser ainda mais notado quando David morreu, em 2016, e as ruas se encheram de pessoas comovidas que cantavam suas canções.