O que eu não vi em Bento Rodrigues
Participei de uma ação da RBBV de ajuda às vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana – MG. Fiz uma visita ao município e seus arredores, cinco meses após a tragédia.
Essa ação contou com a participação dos blogueiros de viagens da RBBV e arrecadou mais de 15 mil reais para serem entregues às vítimas que necessitavam de ajuda. A Cris Marques, do blog Dentro do Mochilão, que tem experiência em ações humanitárias, encabeçou essa ação e acompanhou, desde o início, o processo para ajudar diretamente às vítimas. Ela foi voluntária em todo o processo, esteve em Mariana por outras três vezes, muito envolvida com a causa. Participou efetivamente da entrega de mantimentos, roupas e itens de higiene, assim como outras doações.
Como ainda restam quase 5 mil reais para serem distribuídos, resolvi desta vez, acompanhar a Cris nessa etapa. O foco foi checar onde a condição ainda está muito precária e se algum morador necessitava de auxílio direto em suas necessidades primárias. Percorremos mais de 300 quilômetros, dentro do interior do estado, fomos a várias áreas afetadas direta e indiretamente pelo desastre. Passamos por Paracatu, de cima e de baixo, Gestera, Campinas, Barra longa. Visitamos famílias que ainda estão morando no local, mesmo com todas as condições prejudicadas extremamente.
Primeiramente, minha intenção foi conhecer o que restou em Bento Rodrigues, vila mais atingida, teve 100% das casas destruídas. Como fiz a Estrada Real – Caminho dos Diamantes de bicicleta, me lembro muito bem do vilarejo no qual parei por alguns minutos para descansar. Optei por fazer o mesmo caminho, pela Estrada Real, e por duas vezes perguntei aos moradores se o caminho passando por Camargos estava acessível. Em nenhuma situação me disseram que não estava, talvez por não saberem de fato. Uma parte do caminho desabou com a força das águas. Tive a impressão que alguns habitantes de Mariana não sabem, de fato, o que ocorreu ali e a verdadeira proporção desse acidente ambiental. Talvez porque a área urbana de Mariana não foi afetada.
Minha tentativa de percorrer aquele trecho da Estrada Real foi em vão. Em um momento do trajeto há uma interrupção, aproximadamente a três quilômetros da antiga Bento Rodrigues. Não desisti e imediatamente segui em direção à rodovia, tentando chegar através de Santa Rita Durão. Bento Rodrigues está a oito quilômetros de Santa Rita. Hoje, possui um portão de entrada, com seguranças da empresa Samarco limitando o acesso. Não é possível entrar sem a autorização da Defesa Civil. Em depoimento, os profissionais relataram que estão fazendo uma nova bacia por lá, medida que já pensa na hipótese de um novo desastre. Fiquei pensativo sobre novos riscos. Será?
Não consegui ter acesso a Bento Rodrigues, pois não possuía em mãos a tal autorização. Mas o que eu não vi em Bento Rodrigues? Pode ter certeza que eu presenciei em outros locais. O que eu vi em Paracatu de Baixo, infelizmente, é um cenário aterrorizante. Casas soterradas, somente com os telhados expostos, marcas de lama nas casas e nas árvores, máquinas e mais máquinas limpando todo o local. Vi cachorros que retornaram para “suas casas”, eles pareciam sempre de prontidão, aguardando a chegada de seus donos e alguns nunca mais aparecerão por lá. Os cães são dignos de uma amizade sem limites. Vi uma destruição descomunal e a luta daqueles que ainda ficaram por ali, tentando recomeçar a vida, na esperança de dias melhores que dependem da nossa justiça funcionar.
O que eu não vi em Bento eu vi em outros vilarejos que percorri. Gente simples, que acredita que tudo aquilo foi de ordem divina, que o Senhor é quem quis e que o melhor é compreender a situação e aceitá-la.
O que não vi em Bento Rodrigues eu vi em Paracatu de cima, famílias que não foram atingidas diretamente, mas que permanecem ali, querendo nada além do que elas tinham e uma forma de recomeçar as suas vidas.
O que não vi em Bento Rodrigues eu vi em Gestera, moradores inquietos e questionadores, como a D. Elô que intervém e indaga sobre as atitudes da empresa, ela não aceita ações paliativas fornecidas pelos responsáveis da Samarco, como por exemplo, a construção de uma escola nessa vila em substituição a que a lama levou. Uma Escola bem menor e com inúmeras outras limitações.
O que não vi em Bento Rodrigues eu vi nos acessos. Uma empresa que não sabemos se está empenhada em trabalhar ou mascarar o cenário de horror deixado pela lama. Aparentemente, hoje a situação está muito melhor nas vias de acesso e no leito do rio que está sendo desassoreado e braquiárias sendo plantadas. Retiram a lama (com rejeitos) de um lugar e transferem para outro. Misturam com terra e colocam braquiárias. Até onde isso é uma recuperação eu não sei, pois não tenho todas as informações sobre a lama que está depositada ali. Não conheço as concentrações de material pesado, mas prefiro acreditar que algo “legal” esteja sendo feito e acompanhado de maneira responsável pelos órgãos públicos.
Mesmo acompanhando os noticiários que, covardemente, deram pouca ênfase ao desastre, e assistindo os vídeos publicados na internet, só consegui ver a total dimensão do estrago estando lá, percorrendo as áreas e conversando com pessoas que fizeram parte de um dos mais graves desastres ambientais da história do Brasil.
A lama levou o que viu pela frente, arrastou árvores, carros, casas, animais e até pessoas. A lama foi impiedosa e devastou tudo o que viu pela frente. Com ela, também levou trabalho digno, histórias, sonhos e dilacerou famílias e tudo isso em uma única noite, que vai ficar marcada eternamente.